Esperou a prima no mesmo sítio onde, há momentos lhe tinha
ligado. Os minutos passavam dolorosamente, à medida que os seus próprios pensamentos
o levavam a arrepender-se da decisão que havia tomado. Os cigarros
escapavam-lhe das mãos para a boca freneticamente, como se a nicotina lhe
pudesse dar um novo ar à mente, mas esta encontrava-se imutável. Não queria
voltar à casa, mas não tinha força o suficiente para voltar atrás na sua
palavra, sabia que mais tarde ou mais cedo tinha de lá voltar, não podia esquivar-se
ao inevitável.
Três minutos e alguns cigarros depois, um carro estacionou à
sua frente e, perante a inércia do primo, a condutora baixou a janela.
“Estás à espera que saia do carro para te pôr a bagagem na
mala?” Lucas sentia a ironia inundar-lhe os ouvidos, à medida que a prima
baixava os óculos e revelava um olhar fastidioso. “Então…?” A prima, para além
de aborrecida, mostrou-se impaciente.
“Desculpe-me, por momentos não a reconheci.” Apressou-se a
arrumar a bagagem e entrou no carro.
Como habitual, Lucas não se preocupou em fazer “small talk”.
Sim, a prima estava a fazer-lhe um favor mas, isso não o compelia a encher o
silêncio com perguntas até porque, ambos sabiam, que ele não estava minimamente
interessado em saber pormenores enfadonhos sobre a vida insípida dela.
Importou-se apenas em saber se podia fumar dentro do carro e, de bom grado,
cedeu alguns cigarros para a prima o acompanhar.
A viagem era longa, mas Lucas deliciava-se enquanto denotava
as grandes e pequenas diferenças na paisagem à medida que invadiam o interior
do país. Os grandes campos de milho eram substituídos por girassóis e os campos
e montanhas verdejantes por olivais amplos e planos de solo castanho, bairros e
casas modernas eram substituídos por vivendas caiadas de branco ou de pedra,
algumas remanescentes de tempos antigos de nobreza.
Os cigarros ajudavam a diminuir a inquietação total em que
se encontrava, não sabia o que esperar daquela casa, ou das pessoas que a
governavam. A verdade é que, apesar de toda a infância o petrificar, a sua
mente tinha sido gentil em bloquear maior parte das pérfidas recordações que
possuía, e tinha um medo ingovernável de estas se revelarem. Se, com tantas falhas na memória, a casa e
tudo o que ela representava lhe dava pesadelos, nem queria imaginar o que
aconteceria á sua sanidade mental se algum dia viesse a descobrir tudo o que
ficou ocultado nos recantos mais sombrios da sua memória!
A prima observava-o, denotava-lhe o nervosismo desastroso,
as pernas irrequietas, o fumar compulsivo, a inquietação, a respiração ofegante
como se lhe roubassem o ar. Por fim, decidiu quebrar o gelo.
“Diz-me… Estas assim nervoso pela viagem ou por me ver?”
Gracejou.
“Nenhuma das duas prima.”
“Por alguma razão tem de ser…” Desviou o olhar da estrada
por segundos para tentar decifrar a expressão do primo, sem sucesso porém.
“Não se apoquente com os meus assuntos” Repostou, de maneira fria.
A prima anuiu silenciosamente, mas Lucas já se havia
arrependido de proferir aquelas palavras.
“Desculpe, não queria ser mal educado, o que eu queria dizer
era...”
“Não faz mal Lucas” Interrompeu “a culpa foi minha”.
A prima tomou uma expressão familiar para Lucas, uma
expressão tão maternal que se julgou criança de novo. As semelhanças entre a
prima e a sua mãe deixavam-no mesmerizado. Queria tanto ser criança outra vez.
A prima voltou a tentar manter uma conversa com o seu
passageiro inabalável, não era mulher de aceitar silêncios desconfortáveis.
“Pouca bagagem” Constatou “Não fazes intenção de viver lá?”
Lucas soltou um sorriso à medida que acendia um cigarro, perante tal pergunta.
“Não faço intenções
de passar lá mais que uma noite”.
“Porquê?”
“Aquela casa…” Soltou uma gargalhada “dá-me pesadelos”.
O olhar da prima desvia-se da estrada, o seu primo tinha, sem
dúvida, uma aparência aliciante. Tez morena contrastada com olhos verdes
cansados e olheiras profundas, os cabelos eram negros como a noite. Era alto,
as costas largas e as mãos grandes e cuidadas, aliás, tinha ar de quem tomava
conta de si e, os contornos da camisa revelavam precisamente isso.
Pressentiu o primo à espera de uma resposta, levando-a a desviar rapidamente o olhar de volta à estrada.
“Como?” Perguntou embaraçada.
“Perguntei se acha ser assunto de mais que um dia.”
“Vou ser sincera contigo. Se encontrares alguma coisa que
seja naquela casa, considerava-o um milagre!” Não conseguiu conter uma
gargalhada estridente.
“Prima” Forçou um sorriso, não estava a achar grande piada
ao comentário “Os caseiros não saberão certamente onde estão os papeis que
procuro?”
“Os…” Voltou a soltar uma gargalhada histérica “Mas que
caseiros, caro primo?”
“Não sei… Os caseiros… Os Silva?” A prima ria-se descontroladamente
perante a pergunta.
“Já ninguém mora naquela casa desde que o teu pai de lá
saiu. Vais estar completamente sozinho lá”.