Estendeu-se na cama com o cigarro
por entre os lábios, colocou o braço por trás da cabeça e, de soslaio,
esgueirou o testamento do pai. Estava até tentado a lê-lo, depois da conversa
com Maurício. O envelope, escondido por entre revistas e recados sem importância,
palpitava, roubava-lhe a atenção. Inalou o fumo e sentiu o tabaco agravar o
desejo de ler a carta que lhe era dirigida.
Virou-se, subitamente, de costas
para o envelope, como se o facto de não o ver lhe diminui-se de alguma maneira
a vontade de ler a carta, o que resultou no completo oposto. Sentia o velho
libertar-se por entre páginas e folhas e dominar a sala. O cheiro do pai
invadiu-lhe a memória, parecia até senti-lo pairar pelos cantos do quarto,
aquele cheiro que a chuva deixa depois de cair na terra levemente. Sentia-o em
todo o lado, a presença era como que omnipotente e despia-o de qualquer réstia
de controlo!
Avidamente, percorreu o pequeno
espaço que o separava do objecto de desejo. Parou, inesperadamente, quando o
corpo lhe começou a fraquejar, invadindo-o calafrios e espasmos, a reacção
natural em tudo relacionado com o pai, rejeitava-o completamente. Era
compreensível que, uma pequena parte de si, tinha receio do que iria encontrar
por entre as palavras do velho, mas como quase sempre, a curiosidade sobrepôs o
medo, levando-o a arrancar desajeitada e exasperadamente do envelope a carta, e consumir, sofregamente, as palavras que o encaravam.