quinta-feira, 27 de junho de 2013

Capítulo I - O sonho

Imóvel, o ar fugia-lhe dos pulmões de forma brusca. Não conseguia impedir o nervoso miúdo, desde que entrara naquele edifício infernal, de crescer exponencial e incontroladamente. Os músculos já não lhe obedeciam de tal modo que, tremores sucessivos e suores frios lhe percorriam todo o corpo. “O… Relógio… O relógio.” Eram as únicas palavras que conseguia expulsar por entre os dentes cerrados.

Não havia relógio ao fundo do corredor, aliás, não havia paredes em volta do corredor, apenas restavam gastos mosaicos de madeira que cobriam o chão, e portas que chiavam com a brisa fria que vagueava. Vegetações revestiam a velha casa, ou a réstia do que tinha ficado dela. Mas, o barulho ensurdecedor do cuco não parava, apenas aumentava, até não conseguir deter um grito de horror que se soltou da garganta. 

Acordou. O coração palpitava de tal forma que estava certo que queria escapar-lhe do peito e, tão rápido como o desespero o tinha invadido há momentos atrás, igualmente lhe desocupou da mente qualquer vestígio do que havia ou não sonhado. 

Por instantes não se recordava onde estava, como tinha lá parado e com quem, contudo, rápido, um perfume de jasmins tão forte que lhe dava dores de cabeça invadiu os seus sentidos. Inconscientemente, esticou o braço para além da sua almofada e sentiu-lhe o calor. Não sabia com quem tinha passado a noite, pouco lhe importava, não era homem de se apegar a uma só mulher, não iria cometer esse erro novamente. Nunca seria tão cego como fora com Eve! Mas, não queria pensar nela, só o facto de deixar a mente divagar o seu nome trazia-lhe um gosto amargo à boca. 

Levantou-se, vestiu-se e fechou a porta ao sair do apartamento. Não se despediu. Entrou no elevador e encostou-se de forma despreocupada, voltou a pensar em Eve. 
“Foda-se!” E logo um gosto amargoso se apoderou da sua boca. 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Capítulo I - A casa

Era o mesmo tic tac de que se lembrava, o mesmo compasso incessante, ao qual não conseguia ser indiferente, a mesma dança entre os ponteiros do velho relógio de cuco. Dançava, também ele, entre os lençóis tentando sem sucesso interromper o barulho enervante que ecoava pela casa. Deteve-se durante maior parte da noite, mas rompeu do invólucro de tecido em que se tinha envolvido, de certa forma violenta, assim que viu pequenos laivos de raios de sol escaparem-se por entre as persianas e cortinas… “Maldito relógio!” Arrastou-se até ao fundo do corredor com largos e pesados passos, fazendo ranger o soalho caducado do segundo andar, em direcção ao amaldiçoado objecto que tanta fúria lhe causava, com nada mais do que o claro intuito de mandar tal coisa pela janela fora.

Detestava aquela casa, sempre a havia detestado. Sim, é algo confuso não sentir a nostalgia clássica e  um carinho pela casa em que se cresceu como, vezes por demais, o diziam os seus companheiros das noites de jogo. Odiava-os por o fazerem sentir diferente, ou melhor, anómalo. Para ele a casa onde, agora tentava dormir, era nada mais que uma estrutura sustentada por pilares e tijolos, não sentia amor por aquela casa, muito pelo contrário, sentia uma profunda aversão que, a seu ver, não tinha razão particular.

À medida que se ia aproximando o ruído dilatava, os seus ouvidos não aguentavam mais, ele não aguentava mais, queria dormir, descansar, para tratar do que tinha de ser tratado e nunca mais ter de voltar àquela casa. Quando se encontrava perante o diabo do relógio, parou subitamente, como se não soubesse para que efeito se tinha levantado da cama. Os olhos, cansados, pareciam estar-lhe a mentir…