quarta-feira, 26 de junho de 2013

Capítulo I - A casa

Era o mesmo tic tac de que se lembrava, o mesmo compasso incessante, ao qual não conseguia ser indiferente, a mesma dança entre os ponteiros do velho relógio de cuco. Dançava, também ele, entre os lençóis tentando sem sucesso interromper o barulho enervante que ecoava pela casa. Deteve-se durante maior parte da noite, mas rompeu do invólucro de tecido em que se tinha envolvido, de certa forma violenta, assim que viu pequenos laivos de raios de sol escaparem-se por entre as persianas e cortinas… “Maldito relógio!” Arrastou-se até ao fundo do corredor com largos e pesados passos, fazendo ranger o soalho caducado do segundo andar, em direcção ao amaldiçoado objecto que tanta fúria lhe causava, com nada mais do que o claro intuito de mandar tal coisa pela janela fora.

Detestava aquela casa, sempre a havia detestado. Sim, é algo confuso não sentir a nostalgia clássica e  um carinho pela casa em que se cresceu como, vezes por demais, o diziam os seus companheiros das noites de jogo. Odiava-os por o fazerem sentir diferente, ou melhor, anómalo. Para ele a casa onde, agora tentava dormir, era nada mais que uma estrutura sustentada por pilares e tijolos, não sentia amor por aquela casa, muito pelo contrário, sentia uma profunda aversão que, a seu ver, não tinha razão particular.

À medida que se ia aproximando o ruído dilatava, os seus ouvidos não aguentavam mais, ele não aguentava mais, queria dormir, descansar, para tratar do que tinha de ser tratado e nunca mais ter de voltar àquela casa. Quando se encontrava perante o diabo do relógio, parou subitamente, como se não soubesse para que efeito se tinha levantado da cama. Os olhos, cansados, pareciam estar-lhe a mentir…  

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