Muito para seu desagrado, o amigo
advogado não albergava boas notícias. Informou-lhe de que pouco havia a
fazer e que se ele queria, efectivamente, vender a propriedade o velho desejo do
recente falecido acabaria por se realizar.
“Como assim?”
“No testamento, o teu pai” Lucas
quase parou de respirar ao ouvi-lo, não gostava que o associassem ao velho,
mesmo que este fosse seu pai “Exprimiu, mais que uma vez, um forte desejo que
fosses à propriedade em questão” Informou-lhe Maurício.
“Ai sim?” Uma irritação aguda
exprimiu-se num cerrar compulsivo dos dentes e pelo ritmo formado no soalho em
resposta à inquietação das pernas. Estava farto, farto que a casa lhe invadisse
os pensamentos todos os dias da sua vida e que, por uma razão que nem ele
próprio compreendia, se tivesse escapulido para a realidade e o assombra-se,
agora, ainda mais.
“Não te percebo Lucas… Mandas-me
uns papeis e pedes-me para lhes encontrar algo de errado, quando tu mesmo ainda
nem os leste!”
“Porque havia? Não tenho qualquer
interesse em alguma coisa que aquele velho podre me deixe, seja uma merda de
umas palavras pobremente dispostas em frases com desculpas ou ameaças, ou a
porcaria da casa que sempre detestei! Não quero ter nada a ver com aquelas
pessoas, casa, nada! Quero que me tires isto das mãos!”
“Pois…” Suspirou. Sentia
compaixão por Lucas, sabia todos os seus maiores medos e todas as terríveis
recordações de infância, mas estava de mãos atadas “Lamento querido amigo, mas é
me impossível tratar da venda do imóvel sem os devidos documentos.”
“Propões que os tire da minha
cartola mágica? Eu nem sei que documentos são esses!”
“Eu envio-te uma lista com tudo o
que preciso para tratar do assunto, mas não te posso fazer o favor de lá ir.”
“Nem to pedia.” Resignou-se ao
seu destino e abandonou o assunto. Fez um pouco de conversa de conveniência,
perguntou ao advogado sobre a família, a vida, o trabalho, ou o excesso deste,
e desligou.
Apercebeu-se que tinha ainda na
mão, embora apagado, um cigarro que, tal como a sua paciência, se tinha
consumido por inteiro. Toda a burocracia da situação aborrecia-o. Pouco
percebia do assunto no entanto, não possuía qualquer desejo de aprofundar o
conhecimento em assuntos como venda de propriedades, ou análises das palavras
de defuntos, não quando podia pagar alguém para o fazer. Dinheiro não lhe era,
propriamente, escasso. Livrou-se da réstia que tinha na mão e iniciou a arte
num outro cigarro. Ponderou se poderia pagar a alguém para ir procurar aquilo
que precisava para se livrar da casa, ponderou se alguém se atreveria a ir
àquela casa sequer. Sim, sentia-se ligeiramente cobarde ao evitar com todas as
suas forças e posses monetárias ter que passar uns dias naquele edifício, mas o
medo ultrapassava-lhe qualquer outro sentimento, e era o único que lhe afectava
todo o corpo e lhe ocupava toda a mente.
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