segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Capítulo II - A conversa

Muito para seu desagrado, o amigo advogado não albergava boas notícias. Informou-lhe de que pouco havia a fazer e que se ele queria, efectivamente, vender a propriedade o velho desejo do recente falecido acabaria por se realizar.

“Como assim?”

“No testamento, o teu pai” Lucas quase parou de respirar ao ouvi-lo, não gostava que o associassem ao velho, mesmo que este fosse seu pai “Exprimiu, mais que uma vez, um forte desejo que fosses à propriedade em questão” Informou-lhe Maurício.

“Ai sim?” Uma irritação aguda exprimiu-se num cerrar compulsivo dos dentes e pelo ritmo formado no soalho em resposta à inquietação das pernas. Estava farto, farto que a casa lhe invadisse os pensamentos todos os dias da sua vida e que, por uma razão que nem ele próprio compreendia, se tivesse escapulido para a realidade e o assombra-se, agora, ainda mais.

“Não te percebo Lucas… Mandas-me uns papeis e pedes-me para lhes encontrar algo de errado, quando tu mesmo ainda nem os leste!”

“Porque havia? Não tenho qualquer interesse em alguma coisa que aquele velho podre me deixe, seja uma merda de umas palavras pobremente dispostas em frases com desculpas ou ameaças, ou a porcaria da casa que sempre detestei! Não quero ter nada a ver com aquelas pessoas, casa, nada! Quero que me tires isto das mãos!”

“Pois…” Suspirou. Sentia compaixão por Lucas, sabia todos os seus maiores medos e todas as terríveis recordações de infância, mas estava de mãos atadas “Lamento querido amigo, mas é me impossível tratar da venda do imóvel sem os devidos documentos.”

“Propões que os tire da minha cartola mágica? Eu nem sei que documentos são esses!”

“Eu envio-te uma lista com tudo o que preciso para tratar do assunto, mas não te posso fazer o favor de lá ir.”

“Nem to pedia.” Resignou-se ao seu destino e abandonou o assunto. Fez um pouco de conversa de conveniência, perguntou ao advogado sobre a família, a vida, o trabalho, ou o excesso deste, e desligou.

Apercebeu-se que tinha ainda na mão, embora apagado, um cigarro que, tal como a sua paciência, se tinha consumido por inteiro. Toda a burocracia da situação aborrecia-o. Pouco percebia do assunto no entanto, não possuía qualquer desejo de aprofundar o conhecimento em assuntos como venda de propriedades, ou análises das palavras de defuntos, não quando podia pagar alguém para o fazer. Dinheiro não lhe era, propriamente, escasso. Livrou-se da réstia que tinha na mão e iniciou a arte num outro cigarro. Ponderou se poderia pagar a alguém para ir procurar aquilo que precisava para se livrar da casa, ponderou se alguém se atreveria a ir àquela casa sequer. Sim, sentia-se ligeiramente cobarde ao evitar com todas as suas forças e posses monetárias ter que passar uns dias naquele edifício, mas o medo ultrapassava-lhe qualquer outro sentimento, e era o único que lhe afectava todo o corpo e lhe ocupava toda a mente.

Sem comentários:

Enviar um comentário