Tentou controlar um impulso
persistente de desligar o telemóvel enquanto ouvia os gritos incessantes do
outro lado da linha.
“Prima, ouça-me!” Sempre tratou a
prima por você, um hábito antiquado adquirido ainda em criança por imposição do
pai. O castigo por não o fazer seria demasiado terrível.
“Não vou ouvir coisa nenhuma
Lucas! Não admito que te recuses a lá voltar, nem mesmo por uma única noite!” Os
berros persistiam e a dor de cabeça, resultante das bebidas a mais da noite
anterior, agravava-se.
“Pois admita! Não tenho qualquer
intenção de voltar aquela casa!!” Retorquiu.
“Valha-me a Santa, rapaz! Que
raio tens tu contra aquele sítio?!” A verdade é que nem ele sabia ao certo. Aquela casa dava-lhe a sensação de morte iminente, a sensação que nada de bom
aconteceria enquanto permanecesse nela! Talvez o que aconteceu com o seu pai
tenha contribuído para a sensação de desconforto total apenas ao pensar em ter
de ir lá passar uma noite. A ausência de resposta à pergunta levou a um
silêncio que prevaleceu uns segundos longos. A prima, que havia retomado a gritaria de ainda à pouco, foi interrompida.
“Eu vou pedir ao meu advogado
para rever os papéis.”
“Por muitas revisões que ele lhes
faça não vai mudar nada. Os papeis são claro!”
“Eu trato do assunto, não se
massacre mais! Tenha um bom dia prima.” E desligou o telemóvel, sucumbindo,
finalmente, ao impulso latente e antes que ela pudesse ripostar a sua decisão.
“Chegamos ao Plaza, senhor” Informou-lhe
o taxista com um certo desdém. Pagou-lhe e saiu do carro. A carteira adquiriu uma
estranha leveza, o taxista tinha-lhe cobrado dinheiro a mais.
Abriu a porta do quarto e, logo, reparou
que a quantidade de mensagens e recados que o esperavam, pacientemente, na cómoda
era nada mais que ridícula. Inspirou profundamente esperando que o ar lhe
mudasse o espírito. Pegou nas mensagens e leu-as frivolamente, não havia
assuntos importantes ou urgentes, por isso tudo o resto esperaria. Refastelou-se
no sofá e decidiu-se a ligar ao advogado.
Marcou o número no telemóvel
lentamente, como se os dedos lhe pesassem ou as teclas se tivessem tornado
demasiado pequenas para as manusear com precisão. Por fim, levou o telemóvel ao
ouvido e esperou. Tocou… Tocou… Tocou…
“Maurício, liga-me quando
receberes esta mensagem. Vou mandar-te a cópia de uns papeis por fax,
precisos que os vejas. Encontra-lhes alguma falha!”.
A prima, mais velha uns anos e
com quem a relação era pouca, tinha-lhe enviado o testamento do velho, do seu
pai. Segundo tal documento a casa era sua…
O silêncio, que pensava obter ao
evitar continuar no telemóvel com a prima histérica, revelou-se falso, conseguia
ouvir, claramente, o ressonar do vizinho do lado através da parede do quarto. Não
conseguiu impedir que uma raiva nascesse violentamente no seu âmago. Para que
raio andava a pagar quantias absurdas por um quarto de hotel, se nem podia ter
o sossego por que tanto ansiava?!
“Merda para isto!!!!!”
Tentou, em vão, acordar o
vizinho, ou fazê-lo parar com aquele barulho estridente, ao bater repetidamente
na parede que os separava. Sabia que não era a ausência de paz que lhe fomentava
a cólera, mas com grado os direccionava para o vizinho, que continuava a
ressonar que nem um belo de um porco, na gerência do hotel, nos construtores,
em tudo! Desistiu, por fim, quando as mãos lhe estavam já vermelhas, de modo a nem as sentir.
Encostou-se à parede do quarto e
acabou por adormecer embalado pelas vibrações da parede em ressonância ao roncar
incansável do homem hospedado no quarto a seguir ao seu.
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